Cotado pela oposição para ser o sub-relator da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro, o deputado federal Delegado Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), teve muitos de seus requerimentos no colegiado rejeitados pelos parlamentares governistas.
O motivo, segundo Ramagem, seria as linhas de investigação traçadas por ele, que é um agente de inteligência. O deputado propôs requerimentos a fim de comprovar duas situações: de que o ministro da Justiça, Flávio Dino, foi omisso e de que a viagem do presidente Lula a Araraquara foi planejada para que ele não estivesse em Brasília durante os atos de vandalismo.
No entanto, o governo blindou Dino e as informações sobre o voo do presidente. Além disso, outros personagens importantes foram impedidos de vir à CPMI do 8 de janeiro pelo governo: o General Gonçalves Dias, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional; e Saulo Moura, ex-diretor da Abin.
Os parlamentares governistas também negaram os requerimentos relacionados às câmeras de segurança do Itamaraty, que poderiam ser usadas para identificar a passagem dos depredadores de um prédio para o outro, conforme Ramagem.
Com a ação ostensiva contra a oposição, o governo embalou tudo o que tem desejo de esconder sobre o 8 de janeiro. A oposição, contudo, promete reapresentar todos os requerimentos rejeitados até que sejam aprovados.
O presidente da CPMI, deputado federal Arthur Maia (União Brasil-BA), também já disse que vai pautar os documentos na próxima sessão do colegiado.
A Oeste, o Delegado Ramagem falou sobre o relatório paralelo que a oposição está fazendo, os inquéritos sobre o 8 de janeiro que estão no Supremo Tribunal Federal, a oitiva do ex-ministro Anderson Torres e muito mais. Confira os principais trechos da entrevista:
A relatora da CPMI, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), é aliada do ministro da Justiça. Isso pode comprometer o trabalho dela no colegiado?
A atuação dela é notadamente parcial. Ela quer blindar o governo e, especificamente, o ministro da Justiça, Flávio Dino. O plano de trabalho elaborado por ela foi criado sob a ótica do governo, generalizando os crimes e sem a abordagem das omissões. Pedimos uma sub-relatoria na CPMI para auxiliar, pois os temas são diversos, distintos e complexos. Existem as pessoas que causaram os danos aos prédios públicos, a omissão do governo, os financiadores e os erros nos procedimentos de prisão. Então daria para dividir, mas o governo não aceitou por que deseja centralizar o poder.
A oposição sugeriu a possibilidade de criar um relatório paralelo da CPMI. Isso deve acontecer?
Já começamos o relatório paralelo para que os fatos e as questões jurídicas não sejam deixados de fora. Todos esses pilares que citei vão ser analisados, até mesmo, a condução de todas as sessões da CPMI. Não dá para fazer um relatório apenas no último dia, por isso começamos agora. Um colegiado não pode condenar ninguém, mas podemos investigar e indicar a possibilidade de determinados delitos. Apenas informamos sobre os crimes e encaminhamo à Polícia Federal, à Procuradoria-Geral da República e, se for o caso, ao Supremo Tribunal Federal. Nosso trabalho também é indicar as faltas no processo legislativo para que tais atos não se repitam. O relatório paralelo, ainda que informal, pode ser encaminhado às autoridades.
Na última sessão da CPMI, o governo derrotou um bloco de requerimentos da oposição, onde haviam diversos documentos protocolados pelo senhor. Por que?
Foi uma estratégia do governo a votação em bloco. Já sabíamos disso e fizemos um bloco com todos os requerimentos para que fossem aprovados. Com isso, queríamos mostrar que não temos nenhum medo da investigação. No entanto, o governo ganhou e reprovou grande parte dos nossos requerimentos. A nossa esperança é que a mesa diretora da CPMI tome medidas para balancear essa questão. Do contrário, a CPMI não terá isonomia. É uma confissão de culpa. Eles têm medo da investigação. Parece que fui o parlamentar que mais entrei com requerimentos de linhas de investigação. Rejeitaram a maioria dos meus documentos que levavam a omissão do ministro da Justiça, Flávio Dino, e a viagem do presidente Lula. De supetão, Lula resolveu fazer uma viagem naquele dia para Araraquara. Queremos mostrar que houve um planejamento com a segurança dele, pois já sabiam o que iria acontecer.
O senhor é autor de um requerimento que pede acesso às câmeras do Itamaraty. Contudo, o local não sofreu nenhuma depredação e nem foi invadido. Por que ver essas imagens é importante?
Queremos ver as câmeras externas para saber como aconteceu a entrada em cada prédio dos Três Poderes. Há uma suspeita de que era o mesmo grupo, ou a maioria dele, que foi em cada um dos prédios para depredar. Acreditamos que foram cerca de 500 pessoas. Também sou autor de um requerimento que solicita as imagens do Ministério da Justiça. Sobre isso, há notícias de que houve uma mobilização de segurança no prédio e que esse efetivo policial não foi empregado, mesmo com a invasão dos prédios. Isso demonstraria que eles sabiam da situação, estavam preparados para ela e não utilizaram a força.
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, disse que liberaria os inquéritos sobre o 8 de janeiro desde que estivessem concluídas as investigações. Como o senhor avalia essa decisão?
A sumula 14 do STF prevê que tudo o que está em investigação e que não foi encartado não pode ser publicizado. Mas o defensor do investigado pode ter acesso a tudo o que já foi concluído. O STF vai entregar à CPMI tudo o que já foi concluído no âmbito das investigações. Em 45 dias, que foi o prazo que o ministro deu, acho difícil acontecer, pois muitas pessoas se quer foram denunciadas. Se ele, de fato, entregar à CPMI, queremos todos os processos.
As oitivas do ex-ministro Anderson Torres e do Tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, podem ser prejudiciais para a oposição?
O governo inventa ligação entre esses personagens e os atos do 8 de janeiro, mas não há. Se eles convocarem o ex-presidente também, vamos insistir nisso. Não houve se quer uma potencialidade de golpe, pois eles entraram nos prédios públicos sem nenhuma força bélica. Bolsonaro foi derrotado nas eleições, viajou para os EUA e se recolheu. A única vez que ele se manifestou foi quando estavam paralisando as rodovias e isso estava impedindo a livre circulação. Ele não queria caos ou prejuízo à nação. Trazê-lo na CPMI significa um ultraje. Seria a primeira vez que convocariam um ex-presidente da República.
Qual o sentimento que levou aquelas pessoas a depredarem os prédios públicos no 8 de janeiro?
Essa manifestação do 8 de janeiro foi composta por um grupo de desorientados que já estavam andando por Brasília. Existiam criminosos e pessoas sem liderança política. Mas todos os órgãos de segurança tinham ciência do que poderia acontecer. Eles estavam peregrinando e chegaram na Praça dos Três Poderes depois. Por que esse grupo de, no máximo 5 mil pessoas, não foram contidas? Já aconteceram outras manifestações bem maiores em Brasília que foram controladas pelas forças de segurança. Houve uma facilitação. Desse modo, as pessoas com uma emoção a mais e com vontade de delinquir tiveram a possibilidade de externar tudo isso. Mas quantas pessoas fizeram isso? Deixaram elas chegar perto dos prédios, por isso quem permitiu também tem de ser punido. Não podemos generalizar e criminalizar a todos.
Qual é o futuro da CPMI?
Já começamos a CPMI frustrados, mas o fato de ter instaurado o colegiado foi uma vitória. O governo vai continuar tentando trazer apenas as pessoas que lhes interessam para confirmar a própria narrativa do “golpe”. Nossa função é defender o que é certo, buscar a verdade e levar a investigação para esclarecer todos os caminhos. Vai ser muito difícil. Não temos nenhuma esperança no relatório da senadora Eliziane, mas faremos a nossa parte.